Rafael Sarto Muller - ERABEDNE 2025

Epistemologia e Axiomática Aplicadas à Segurança e Economia de Defesa

Encontros

Dia 1 (3 nov. 2025) 1,5h: Teoria Básica em Epistemologia (critérios de cientificidade e conjuntos de conhecimento) e Axiomática (axiomas, definições e teoremas; ontologia do ser e do conhecimento).

Dia 2 (4 nov. 2025) 1,5h: Estudo aplicado para o conceito de Segurança das escolas dos Estudos de Segurança Internacional e para a dinâmica de funcionamento do mercado da Economia de Defesa.

Contexto

Eixo Temático: Ensino, Formação Profissional e Pesquisa em Defesa

Querelas nos ESI similares às da Literatura e Educação (recepção literária, teorias da aprendizagem)

Debates teóricos e métodos quantitativos em Economia de Defesa

Dia 1 - 3 nov. 2025

Epistemologia

Axiomática

Noções primitivas
- Ser
- Conhecimento
- Pertinência
Axiomas*
Definições**
Teoremas

*Hilbert: não-contradição; independência; saturação.

**Rudolf Carnap: lógica simbólica e linguagem.

Axioma vs. dogma (saturação e autoridade).

Ex.: significado de um booleano.

O Conhecimento como Opinião e Fragmentação

Tudo que o ser humano pode obter de sua relação com o mundo é opinião, nunca a verdade do todo.

O conhecimento progride através de aproximações sucessivas do conhecimento do todo, tornando os saberes mais perfeitos e úteis.

A natureza do conhecimento sobre o ser é fragmentada, consistindo em impressões ou assertivas situadas a partir de uma origem arbitrária escolhida pelo observador/pesquisador.

A fragmentação não é um problema, mas uma característica natural do próprio saber.

O empirismo é a fonte do conhecimento, mas o racionalismo é a sua elaboração lógica.

O conhecimento verdadeiro é empírico ou racional?

Categorias Epistêmicas e Noções de Verdade (Certeza)

Religião (Pura Verdade): Conhecimento dogmático, não se admite questionamento. Assume a complexidade e o caos, a aleatoriedade e a incognoscibilidade divina, fornecendo explicações a posteriori. Tende à maximização dos axiomas (dogmas) e opera pela estratégia de abandono do campo da previsibilidade, tornando-se inquestionável.

Ciência (Quase-Verdade): Opinião fundamentada, conhecimento certo com resquícios de incerteza. Exige questionabilidade estruturada. Baseia-se no esforço pela redução ao mínimo dos axiomas.

Senso Comum (Opinião): Conhecimento incerto, mistura de categorias, facilmente questionável. Suas explicações são abastadamente simples, podendo perder em previsibilidade, mas tendem a ser selecionadas por elas.

Critérios de Cientificidade e Operações Lógicas

Os principais critérios de cientificidade são Simplicidade (lógica indutiva), Previsibilidade (lógica hipotético-dedutiva), e Não-Contradição (lógica deôntica).

O critério mais característico da ciência é a Previsibilidade (Pragmatismo ou Funcionalidade): é verdade (quase-verdade) aquilo que funciona em um dado contexto conhecido.

A ciência é descritiva e preditiva, mas não prescritiva.

Há um payoff entre simplicidade e previsibilidade: buscar reduzir ao máximo a complexidade e maximizar a previsibilidade (funcionalidade).

A conquista da abundância, ambiguidade, força do discurso científico e objetivo da redação acadêmico-científica (gostar vs. julgar).

O Método Axiomático e a Construção das Teorias

Os axiomas funcionam como dogmas (aceitos sem grandes questionamentos em dado momento), sendo um esforço da ciência a redução ao mínimo desses axiomas.

O método permite o estabelecimento de um arcabouço de conceitos para ordenar os fatos, sendo essencial para a ciência.

O método justifica a aplicação universal da matemática nas ciências da natureza, atingindo a essência do pensamento científico.

Aristóteles diferencia axiomas (verdades comuns ao conhecimento) de postulados (verdades aceitas em disciplinas específicas).

Características e Limitações (Hilbert)

A autoridade de um sistema de axiomas (para Hilbert) se funda sobre três características:

Não-Contradição.
Independência dos axiomas entre si.
Saturação (o sistema não é extensível; cada axioma impõe uma limitação).

A axiomática não possui valor de verdade fáctico, mas seus axiomas são considerados supostamente verdadeiros, embora a natureza dessa verdade escape ao pensamento.

A axiomática não aumenta o conteúdo cognitivo de uma teoria empírica nem assegura certezas, pois os axiomas são revisáveis à luz do seu comportamento na explicação dos fatos.

Em sistemas não decidíveis, há necessidade de criação e intuição para escolher ou criar axiomas adequados.

Axiomática e o Risco da Abstração

Para que serve a axiomática, então?

A adoção acrítica de ficções sociais e conceitos abstratos pode levar à perda de lastro com a experiência, aumentando o risco de reduzir a ciência ao misticismo e obscurantismo.
Escala de estudo (ex.: relações de poder)
Causalidade (ex.: personalidade = natureza vs. cultura; hierarquia vs. Ajuda mútua; humanidade = empatia vs. razão)

A Lógica Deôntica e a Teoria Crítica

Lógica Deôntica (Prescritiva):

Trata dos imperativos morais e objetivos (teleologia), que são arbitrários.
É modulada pela Não-Contradição (coerência interna com os ideais).
A hipertrofia da Não-Contradição (típica das abordagens totalizantes) remete à religião e ao hermetismo.
Embora a ciência não seja prescritiva, a lógica deôntica serve como ponte entre ciência e religião.

Teoria Crítica e Funções:

A união das lógicas hipotético-dedutiva (científica) e deôntica (teleológica/ideal) é chamada Teoria Crítica.
O aspecto religioso/deôntico cumpre o papel de direcionar os esforços de conhecimento e justificar a investigação e as escolhas de manipulação de variáveis.

Interdisciplinaridade e objetos científicos

Interdisciplinaridade Ingênua:

Caracteriza-se por ser uma prática social do senso comum, ignorando que o ser é complexo e o conhecimento parcializado.
Utilizada como estratagema para postular objetos disciplinares de forma genérica (alargamento conceitual).

Alargamento Conceitual e Hiperdisciplinaridade:

O alargamento de conceitos (ex: espaço geográfico, segurança) transforma teorias em metateorias (como a Teoria de Sistemas), mas as disciplinas não abandonam a posse exclusiva de seus objetos.
O alargamento conceitual leva à hiperdisciplinaridade, criando hermetismo teórico-metodológico e empobrecendo o diálogo.

Interdisciplinaridade Verdadeira:

Envolve a agregação de métodos científicos diversos.
Exige a exclusão do sistema de propriedade dos objetos (ou seja, outras disciplinas podem abordar objetos alheios, com seus próprios métodos).
A colaboração para o progresso da ciência é dada pela aplicação de métodos de uma disciplina a um objeto historicamente estudado por outra.

Origens Clássicas e Dúvida Sistemática

O ceticismo remonta a Sképsis, baseado na suspensão de julgamentos para obter tranquilidade (Pirro).

O cético moderno (Descartes) utiliza o ceticismo sistemático onde nenhum conhecimento é seguro senão o reconhecimento de que somos um pensamento pensando (cogito).

O conhecimento é uma ideia da ideia (Espinosa), a capacidade de julgar a qualidade das próprias ideias.

Julgamento da qualidade da ideia (ou a ideia da ideia)

Cenas dos próximos capítulos...

Geopolítica:

Geo: “espaço”; “ciber” (?)
Política: "politics"; "policy"

Segurança: "safety"; "security"; dimensões da segurança.

Economia de Defesa (CT&I em Defesa):

Ciência
Tecnologia
Inovação
Homo economicus
[Assimetria de] Informação
Monopsônio

Dia 2 - 4 nov. 2025

Estudos de Segurança Internacional

Organização Epistêmica segundo Buzan e Hansen (2012): cronologicamente ou pela amplitude do conceito de segurança (restrita, intermediária, amplificadora).

a) abordagens tradicionais;
b) construtivismo tradicional;
c) construtivismo crítico;
d) Escola de Copenhague;
e) pós-colonialismo;
f) segurança humana;
g) feminismo.

Abordagens tradicionais

Agenda estadocêntrica e militar estreita para os ESI tradicionais;

Não tratamento de questões como conflitos intraestatais (ex.: small-scale warfare), imigração, danos ambientais de escala mundial e pandemias e epidemias.

Construtivismo tradicional

Escopo do conceito de segurança permanece vinculado aos Estados;

A origem das ameaças que preocupam à segurança é decorrente de fatores ideacionais como crenças, normas e valores;

As concepções imperantes de política, guerra, ameaça e as relações internacionais e diplomáticas acabam por funcionar como pesos e contrapesos na elaboração das grandes estratégias nacionais.

Construtivismo crítico

Inclusão de um elemento teleológico, um ideal, como as noções abstratas de Paz e suas correlatas na Pesquisa da Paz;

Crítica a políticas estatais específicas;

Início dos Estudos Críticos de Segurança (ECS).

*Atenção aos significados de “crítica/críticos“.

Escola de Copenhague

Ponte entre os elementos abstratos deterministas do construtivismo crítico (crenças, valores) e o nível macro de comportamento dos Estados, que são os sujeitos típicos das relações internacionais: há a construção de uma definição objetiva de segurança que liga a segurança social à segurança do Estado e, juntas, configuram a segurança nacional.

O modelo teórico é aplicável ainda que um Estado ou outro opte por privilegiar a segurança social (das pessoas) ou a segurança do Estado a cada momento histórico seu. Assim, os eventos atômicos determinísticos são agregados e levados à figuração do macro, cujo aspecto epistêmico é o seu caráter probabilístico.

Pós-estruturalismos

Forte foco no empirismo e na subjetividade;

Inexistência do signo linguístico (desconstrução).

Objetos de pesquisa:

Pós-colonialismo (decolonialismo): Estados [outrora] coloniais;
Segurança humana: self;
Feminismo: mulher.

Abordagem de baixo para cima.

Resumo das Tipologias

Abordagens Restritivas (Tradicionais e Construtivismo Tradicional): Priorizam a Previsibilidade (variáveis macro/poder) e a Simplicidade (bases determinísticas).

Abordagem Intermediária (Escola de Copenhague): Adota perfil moderado e busca o caráter probabilístico, ligando segurança social à segurança do Estado.

O Construtivismo Crítico inclui elemento teleológico (lógica deôntica), mantendo a lógica hipotético-dedutiva.

Abordagens Amplificadoras/Aprofundadoras (Pós-colonialismo, Segurança Humana, Feminismo):

Tendem à Opinião ou Pura Verdade e hipertrofiam a Não-Contradição, estruturando o discurso sobre dogmas e ideais, resultando em hermetismo.
São frequentemente recortes de análise (lógica indutiva) e não paradigmas metodológicos completos aptos à generalização científica.
Tendência ao apoderamento de objetos alheios (áreas p.ex.: demografia, saúde, psicologia).

Economia de Defesa

Economia (oikos + nomos) remonta a Xenofonte, como a administração da casa, considerando riqueza aquilo que promove o bem ao sujeito.

Riqueza incorpora elaborações mentais (como ideais de sociedade, segurança), que são valoráveis e influenciam decisões.

A segurança é um tipo de riqueza imaterial, sujeita à exclusiva autodeterminação de seu valor.

Homo Economicus

Teorema central ainda válido da teoria econômica.

A racionalidade do Homo Economicus significa que a decisão individual está condicionada pelos reforçadores historicamente determinados.

O dark side of self-interest (face oculta do interesse próprio) é uma estratégia (dissuasão, engano) que faz o observador julgar o opositor como irracional, embora a escolha seja a mais racional para quem decide.

Monopsônio

O mercado de defesa possui idiossincrasias, notadamente a presença de um monopsônio (o Estado é o único demandante legítimo e oficial da indústria).

O monopsônio funcionalmente se refere à formação de preço determinado pelo ente regulador para ser o mínimo para a sustentação da indústria.

O monopsônio é um caso exceptivo que demonstra que a determinação de preços pela oferta e demanda não se aplica a todos os contextos.

Barreiras de Mercado

Incluem altos custos afundados (investimentos iniciais, P&D), irregularidade orçamentária, barreiras regulatórias e logísticas (know-how, concentração espacial da Base Industrial de Defesa – BID).

Guns vs. Butter

É o dilema do custo de oportunidade que estabelece um trade-off entre segurança (canhões) e bem-estar (manteiga, ex: saúde, educação).

A tensão entre Segurança Nacional (Segurança Estatal + Segurança Individual) faz com que as decisões de investimento sejam determinadas pelas elites.

Desenvolvimento Econômico

Os resultados empíricos são inconclusivos; 49,3% dos estudos mostram efeitos negativos, 20,3% neutros e 30,4% positivos (Serrão, 2015).

Efeitos Positivos Hipotetizados: Crowding in (estímulo ao capital privado), demanda agregada (Keynes) e spin-off/ spillover effect (tecnologias militares para uso civil/infraestrutura compartilhável).

O uso proativo dos gastos militares pode ter resultados mais marcantes em tempos de baixa demanda agregada e desemprego (curto prazo).

Efeitos Negativos: Fuga de cérebros, limitações contratuais de offset (impedindo a dualização de tecnologias importadas).

Free-Riders

Definição e Perspectivas:

Free-riders são usuários não pagantes que usufruem do bem.

A situação pode ser interpretada como uma falha de mercado (gerando desbalanço) ou como uma potencial redistribuição compensatória de renda.

A segurança nacional é um bem público igualmente necessário a todos (equivalência de usufruto), o que o torna diferente, por exemplo, do transporte público urbano, que é mais necessário aos pobres.

O free-rider só se caracteriza como falha de mercado em sistemas de regulação de mercado onde o bem não é necessário ou um agente de classe social superior usufrui sem pagar.

No caso da Defesa (segurança nacional), o usufruto é equivalente a todos, e o bem é ofertado diretamente pelo Estado sem possibilidade real de delegação e regulação.

Em Economias de Escala Externa (Empresas):

O problema só existiria se empresas menores fizessem investimentos que beneficiassem as maiores, o que é improvável no setor de defesa devido aos altos custos de investimento.
Se o Estado assume a cadeia de produção ou a base da economia de escala, não há free-rider, pois a base industrial é equiparada a um bem público igualmente usufruído por todas as empresas nacionais, promovendo o desenvolvimento econômico.

Referências Sugeridas

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